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Ele gostava muito de automóveis Opala. Pois teve quatro ou cinco deles. Eram resistentes. Podiam aguentar seu pouco caso na conservação de máquinas em geral. Era desligado para aparências. Posses. Bens. Modismos. Os amigos sabiam que ele só lavava o carro quando chovia. Botava um calção e corria com balde e sabão para a calçada. Normalmente, era ajudado pela gurizada da rua que adorava aquela brincadeira com aquele vizinho. Era um carro, digamos, ecológico.
Talvez seu Opala mais famoso tenha sido um branco de duas portas. Deve ter ficado com ele mais de 10 anos. À medida que os anos passavam, o carro ficava mais leve. Pois certas partes do carro que ficavam velhas e caíam - desde que não fossem fundamentais e não afetassem a segurança - jamais foram substituídas ou repostas. Ele só cuidava rigorosamente de duas coisas: dos freios e dos pneus. Jamais trocou o óleo: apenas completava o nível com óleo de maior densidade.
Sempre dava carona para seus alunos: um na frente e quatro no banco de trás. Tinha regras e avisava no primeiro dia de aula em Camobi: "Os primeiro cinco alunos encostados no carro eu levo e jamais levo uma aluna mulher sozinha de carona porque a cidade tem muito linguarudo". Os alunos apelidaram o carro de Orni: Objeto Rastejante Não Identificado. Ele mesmo dizia: "Bah, esqueci do caderno de chamada lá no Orni".
Como não dava importância ao carro, deixava o mesmo na rua em frente à sua casa. Achava um gasto desnecessário alugar garagem. Certa noite, ao chegar na janela de madrugada, viu que tinha alguém fumando dentro do carro. Desceu até a rua e deu de cara com um mendigo conhecido na rua sentado no banco do motorista, fumando e escutando rádio. O mendigo, assustado e temendo represália, espantado ouviu esta proposta: "Eu te dou licença prá ti dormir todas as noites aqui dentro do carro desde que tu fumes fora dele porque eu tenho pavor de cigarro". Não raro, antes de dormir, o professor deixava um sanduíche, bolachinhas ou alguns trocados para o zelador do Orni.
A borracha de vedação do porta-malas do Opala havia apodrecido e sido arrancada fora. O porta-malas vivia úmido porque chovia dentro. O professor fazia o rancho, as compras, comprava muitos sacos de carvão, pois adorava fazer churrasco. Certa vez, estava uma aglomeração de alunos ao redor do carro, muitos alunos batendo fotos. Tinha ocorrido algo inusitado que virou uma lenda na UFSM e também no cursinho pré-vestibular. No porta-malas tinha germinado uma semente de feijão (certamente de um saco de feijão rasgado do mercado) e o pé de feijão encontrou substrato naquele pó de carvão e umidade. E gloriosamente estava saindo pela abertura do porta-malas onde deveria existir a borracha de vedação. Saiu até no jornalzinho dos estudantes.
A esposa do professor de quando em vez pegava carona com ele até o serviço para ficar com o carro. Ele descia do carro e respeitosamente abria a porta do lado do acompanhante para a esposa descer. As alunas adolescentes ficavam maravilhadas com a gentileza daquele professor com sua esposa. Uma delas chegou a lhe dizer um dia: "Quero arrumar um marido assim, profi, gentil que nem o senhor".
Mas ficou com vergonha de contar que a porta do carona do seu velho Orni só abria pelo lado de fora.